quarta-feira, 15 de junho de 2022

PAPEL DA VITAMINA C NA SEPSE

AUTOR: Dr. Ferdinand Gilbert Saraiva da S. Maia: Especialista em Cardiologia, Mestre em Ensino da Saúde pela UFRN, Professor de Cardiologia da Faculdade de Medicina da UFRN, Preceptor da Reseidência de Cardiologia do HUOL/UFRN (CardioHUOL).

     Em 2017, Paul Marik surpreendeu o mundo ao publicar na conceituada revista Chest um estudo sugerindo que um "coquetel" de altas doses de vitamina C, tiamina e hidrocortisona poderia levar a uma dramática redução de 80% na mortalidade da sepse. Para além do anunciado nas manchetes, entretanto, gritava a fragilidade do estudo. Tratava-se de um estudo retrospectivo, comparando 47 pacientes tratados com a nova terapia e 47 pacientes prévios, sem randomização e sem cegamento. Com o uso da terapia milagrosa, a mortalidade caia de 40.4% para 8.5% e em 18 horas os pacientes estavam livres de vasopressores. Os resultados de Paul Marik pareciam bons demais para ser verdade. Estranhava-se que vitaminas poderiam ser mais eficazes que antibióticos numa condição infecciosa em que nem todos os pacientes tem deficits nutricionais (e após muitos estudos negativos em sepse com outras vitaminas e micronutrientes). Não obstante, o protocolo de Vitamina C, Tiamina e Hidrocortisona despertou interesse científico nos editoriais dos periódicos médicos e nos congressos, motivou o início de vários ensaios clinicos randomizados e foi muito divulgado na mídia leiga,  sendo apresentado como "cura". Desde então, vários pesquisadores tentaram reproduzir sem sucesso os resultados de Paul Marik.                       Esta semana foi publicado o estudo LOVIT, no prestigiado New England Journal of Medicine. Neste estudo randomizado de 872 pacientes críticos com uso de vasopressores, o emprego de vitamina C resultou em mais morte e disfunção orgânica que o placebo. Ao LOVIT, somam-se vários outros trials negativos de vitamina C e dos demais componentes do Protocolo Marik em pacientes críticos (VITAMINS, 2020; VICTAS, 2021; Rosengrave, 2022; Wacker, 2022).Os resultados do LOVIT não surpreendem. Mas o "protocolo Marik" conta a história impressionante de como um estudo pequeno com metodologia falha, apresentando resultados irreais de uma terapia com racional fisiopatologico pobre pode ser publicado numa revista conceituada, movimentar interesse cientifico em periódicos e congressos, despertar a atenção da mídia leiga, ser divulgado como cura e chegar à prescrição dos pacientes. Muitas vezes a adoção de novas terapias, em desproporcionalidade à evidência científica, é atribuida à pressão da industria farmacêutica. Neste caso, entretanto, os fármacos são baratos e sem patente. Não houve pressão ou contribuição da indústria para o movimento. Apenas uma surpreendente supressão coletiva de racionalidade.

domingo, 3 de abril de 2022

GUIDELINE DE INSUFICIÊNCIA CARDÍACA DA ACC/AHA - 2022.

2022 Diretriz da AHA/ACC/HFSA para o Manejo da Insuficiência Cardíaca: Um Relatório do Comitê Conjunto de Diretrizes de Prática Clínica do American College of Cardiology/American Heart Association

As 10 principais mensagens:

1.

A terapia médica direcionada por diretriz (TMGM) para insuficiência cardíaca (IC) com fração de ejeção reduzida (FEVF) agora inclui 4 classes de medicamentos que incluem inibidores do cotransportador-2 de sódio-glicose (SGLT2i).

2.

SGLT2i tem uma Classe de Recomendação 2a em IC com fração de ejeção levemente reduzida (HFmrEF). Recomendações mais fracas (Classe de Recomendação 2b) são feitas para ARNi, ACEi, ARB, MRA e betabloqueadores nesta população.

3.

Novas recomendações para HFpEF são feitas para SGLT2i (Classe de Recomendação 2a), MRAs (Classe de Recomendação 2b) e ARNi (Classe de Recomendação 2b). Várias recomendações anteriores foram renovadas, incluindo o tratamento da hipertensão (Classe de Recomendação 1), tratamento da fibrilação atrial (Classe de Recomendação 2a), uso de BRAs (Classe de Recomendação 2b) e prevenção do uso rotineiro de nitratos ou inibidores da fosfodiesterase-5 (Classe de Recomendação 3: Sem Benefício).

4.

A FEVE melhorada é usada para se referir àqueles pacientes com ICFEN prévia que agora têm uma FEVE > 40%. Esses pacientes devem continuar seu tratamento com ICFEN.

5.

Declarações de valor foram criadas para recomendações selecionadas, onde estudos de alta qualidade e custo-efetividade da intervenção foram publicados.

6.

A doença cardíaca amilóide tem novas recomendações para tratamento, incluindo triagem de cadeias leves monoclonais séricas e urinárias, cintilografia óssea, sequenciamento genético, terapia estabilizadora de tetrâmero e anticoagulação.

7.

Evidências que apoiam o aumento das pressões de enchimento são importantes para o diagnóstico de IC se a FEVE for > 40%. Evidências de aumento das pressões de enchimento podem ser obtidas a partir de testes não invasivos (por exemplo, peptídeo natriurético, função diastólica na imagem) ou invasivos (por exemplo, medição hemodinâmica).

8.

Pacientes com IC avançada que desejam prolongar a sobrevida devem ser encaminhados para uma equipe especializada em IC. Uma equipe especializada em IC analisa o gerenciamento da IC, avalia a adequação para terapias avançadas de IC e usa cuidados paliativos, incluindo inótropos paliativos, quando consistentes com os objetivos de cuidados do paciente.

9.

A prevenção primária é importante para aqueles em risco de IC (estágio A) ou pré-HF (estágio B). Os estágios da IC foram revisados para enfatizar as novas terminologias de "em risco" para IC para o estágio A e pré-IC para o estágio B.

10.

Recomendações são fornecidas para pacientes selecionados com IC e deficiência de ferro, anemia, hipertensão, distúrbios do sono, diabetes tipo 2, fibrilação atrial, doença arterial coronariana e malignidade.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

CIÊNCIA INCOMPREENDIDA E INJUSTIÇADA.

  Ciência é ciência, ciência é coisa séria, ciência que não é séria não é ciência, devendo ser condenada. Não existe ciência enviezada, ciência enviezada não é ciência. Ciência não tem lado, não tem partido, não tem religião. Fisiologia, fisiopatologia, farmacologia, etc, tudo isso é ciência. Medicina de boa qualidade é baseada na ciência, que evolui a cada dia, melhorando a qualidade, prolongando a vida, as vezes curando, mas sempre aliviando o sofrimento. O Médico que não acredita, não se baseia ou é contra a ciência, deveria colocar uma placa na sua recepção com os dizeres: “Aqui não se acredita nem se pratica ciência.”
 A Medicina Baseada em Evidências (MBE), também tão injustiçada e incompreendida, é um dos pilares da boa Medicina. É através dela que se desmascara os pesquisadores a serviço da indústria, descobre as artimanhas dos estudos financiados com o objetivo de torná-los positivos, que sabemos que estudos, mesmos positivos e validados, as vezes não tem aplicabilidade, pois necessitam tratar muitos pacientes para ter um benefício, ou por que o risco não compensa ou o custo é muito alto para pouco benefício. É através dela que sabemos que poucos estudos negativos são publicados nos grandes periódicos e  que uma grande parte dos estudos publicados nos mais variados periódicos famosos internacionais não se sustentam ao longo do tempo. Através da MBE que algumas especialidades deixaram de ser reconhecidas em alguns países, por se basearem apenas na pseudociência. 
  Alguns confundem a MBE com Medicina, não sabendo que ela é apenas um pilar da mesma, defendendo a ciência, ajudando aos Médicos e protegendo os pacientes. Acusam-na de “engessar” o Médico, esquecendo que para ser um bom Médico, a conduta tem que ser baseada em evidências, no conhecimento e experiência do Médico e no paciente. As vezes no local aonde o Médico trabalha não é possível praticá-la, tendo que optar por uma evidência mais fraca, mas sempre fazendo o que tem alguma comprovação científica. As vezes o paciente tem contra-indicação, não tem condições sociais, culturais e econômicas para usar a melhor evidência. Para isso é que existe o Médico, para que, baseado em evidências, conhecimento científico da doença e do paciente, assim como em seu conhecimento adquirido pela experiência, possa escolher o melhor.

quarta-feira, 27 de maio de 2020

O MÉDICO NAS REDES SOCIAIS.


   Neste momento de quarentena, alguns colegas se empolgaram, vimos e ouvimos de tudo, alguns até divertidos, outros poucos embasados do ponto de vista científico, uns sem ética ( É vedado: Art. 113. Divulgar, fora do meio científico, processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente). “Todo mundo” nas mais diversas especialidades fez sua live, vários sem semancódromos (semancol). Puro marketing. Muitas entrevistas, muitas postagens na redes sociais. Vi um Cardiologista Intervencionista ( hemodinamicista ) famoso, há mais de 40 anos fazendo intervenções no coração, recomendando cloroquina nas primeiras 24 horas, pela imprensa, um excelente hemodinamicista, e os médicos compartilhando. Acho que queria ser Ministro. Vi um professor famoso dando dicas para profilaxia semanal com ivermectina em entrevista. Vi muitas coisas sem nexo, um vale tudo para aparecer.
   Falta humildade a vários Médicos em aceitar que o fato de ser Médico e/ou famoso, não o dá direito de dizer, em público, o que quiser. O Médico é um formador de opinião, tem uma enorme responsabilidade social e o que ele diz tem uma grande aceitação na sociedade, em especial nos momentos de pânico social, por isso ele tem sempre que avaliar e reavaliar antes de falar publicamente. É claro que houveram muitas lives excelentes, uma nova maneira de ensinar, e todos nós aprendemos bastante. No final estaremos conhecendo melhor os colegas do ponto de vista científico, ético e profissional, e com muita história para contar.

segunda-feira, 18 de maio de 2020

MBE um pilar da Medicina.

A Medicina Baseada em Evidência (MBE) não é uma coisa nova, mas passou-se a ter um maior interesse por ela no início dos anos 90. Nunca se falou tanto em MBE como no momento, mas ainda é pouco, diante da sua importância e da necessidade de ser melhor conhecida, em especial pelos Médicos. Porém o mais complicado são os comentários daqueles que desconhecem o assunto e a confundem com estudos científicos quando na verdade ela é quem analisa as evidências produzidas nos estudos. A acusam de estar a serviço da indústria farmacêutica, não sabendo que é justamente através dela que se desmascara o pesquisador a serviço da indústria. É através dela que se descobre as artimanhas dos estudos financiados com o objetivo de torná-los positivos. É através dela que sabemos que estudos, mesmos positivos, as vezes não tem validade pois necessitam tratar muitos pacientes para ter um benefício, ou por que o risco não compensa ou o custo é muito alto para pouco benefício. É através dela que sabemos que poucos estudos negativos são publicados nos grandes periódicos e  que uma grande parte dos estudos publicados nos mais variados periódicos famosos internacionais não se sustentam ao longo do tempo. Através da MBE, algumas especialidades deixaram de ser reconhecidas em países como a Inglaterra por se basearem apenas na pseudociência. 
Há quem ache que MBE é, então, a mesma coisa de metodologia científica. Ela é muito mais do que isso! Essa falta de conhecimento sobre o tema faz com que já existam os “Anti-MBE“; como existem os anti-vacinas, cujo pensamento é o mesmo: não acreditar na ciência.
Outros confundem a MBE com Medicina, não sabendo que ela é apenas um pilar da mesma, defendendo a ciência, ajudando aos Médicos e protegendo o paciente. Acusam-na de engessar o Médico, esquecendo que para ser um bom Médico, a conduta tem que ser baseada em evidências, no conhecimento e experiência do Médico e no paciente. As vezes o Médico não sabe utilizá-la ou no local aonde ele trabalha não é possível praticá-la, tendo que optar por uma evidência mais fraca, mas sempre fazendo o que tem alguma comprovação científica. As vezes o paciente tem contra-indicação, não tem condições sociais, culturais e econômicas para usar a melhor evidência. Para isso é que existe o Médico, para que, baseado em evidências, conhecimento da doença e do paciente, assim como em seu conhecimento adquirido pela experiência, possa escolher o melhor para o seu paciente.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

COVID-19: Que fique um legado

   A pandemia do COVID-19 deverá deixar vários legados para a Medicina. Espero que um deles seja despertar os profissionais de saúde, em especial os Médicos, para o estudo da MBE ( Medicina Baseada em Evidência). Frequentemente vemos alguns profissionais postando nas redes sociais sobre o assunto (COVID) de forma totalmente sem foco. Falam e criticam estudos sem ao menos saber o que é um estudo científico; confundem estudo com meras observações pessoais, não sabem quais os tipo de estudo, o que responde cada estudo (como se um determinado estudo respondesse a qualquer pergunta científica!). Agem como se cardiologia e psiquiatria tratassem a mesma coisa. Agindo assim, esses médicos envergonham a profissão e confundem a população, levando a desinformação - pois a informação verdadeira as vezes nem eles sabem. E ai de quem discordar! De repente aparece um enxame de desinformados para te desqualificar. Ora, nem mesmo um periódico reconhecido internacionalmente, por décadas, pode publicar sua opinião.
  Para cada pergunta teremos um tipo de estudo: se queremos testar um tipo de tratamento? (Ensaio Clínico) Se um fator leva a risco de doença? (COORTE) Se uma doença ocorreu por causa de uma determinada exposição? (Caso-controle), relatos de casos, etc. O Ensaio Clínico pode definir condutas. O Estudo Observacional gera hipótese que para mudar conduta, tem que ser comprovado por Ensaio Clínico.
   Para exercer a Medicina é necessário que o profissional entenda pelo menos o mínimo de MBE.  Não precisa ser um expert, porém deve-se saber o básico para tomar a conduta que seja melhor para o paciente, para validar aquilo que está fazendo, para poder opinar, discutir e orientar a população.



                                                           PIRÂMIDE DA MBE