AUTOR: Dr. Ferdinand Gilbert Saraiva da S. Maia: Especialista em Cardiologia, Mestre em Ensino da Saúde pela UFRN, Professor de Cardiologia da Faculdade de Medicina da UFRN, Preceptor da Reseidência de Cardiologia do HUOL/UFRN (CardioHUOL).
Em 2017, Paul Marik surpreendeu o mundo ao publicar na conceituada revista Chest um estudo sugerindo que um "coquetel" de altas doses de vitamina C, tiamina e hidrocortisona poderia levar a uma dramática redução de 80% na mortalidade da sepse. Para além do anunciado nas manchetes, entretanto, gritava a fragilidade do estudo. Tratava-se de um estudo retrospectivo, comparando 47 pacientes tratados com a nova terapia e 47 pacientes prévios, sem randomização e sem cegamento. Com o uso da terapia milagrosa, a mortalidade caia de 40.4% para 8.5% e em 18 horas os pacientes estavam livres de vasopressores. Os resultados de Paul Marik pareciam bons demais para ser verdade. Estranhava-se que vitaminas poderiam ser mais eficazes que antibióticos numa condição infecciosa em que nem todos os pacientes tem deficits nutricionais (e após muitos estudos negativos em sepse com outras vitaminas e micronutrientes). Não obstante, o protocolo de Vitamina C, Tiamina e Hidrocortisona despertou interesse científico nos editoriais dos periódicos médicos e nos congressos, motivou o início de vários ensaios clinicos randomizados e foi muito divulgado na mídia leiga, sendo apresentado como "cura". Desde então, vários pesquisadores tentaram reproduzir sem sucesso os resultados de Paul Marik. Esta semana foi publicado o estudo LOVIT, no prestigiado New England Journal of Medicine. Neste estudo randomizado de 872 pacientes críticos com uso de vasopressores, o emprego de vitamina C resultou em mais morte e disfunção orgânica que o placebo. Ao LOVIT, somam-se vários outros trials negativos de vitamina C e dos demais componentes do Protocolo Marik em pacientes críticos (VITAMINS, 2020; VICTAS, 2021; Rosengrave, 2022; Wacker, 2022).Os resultados do LOVIT não surpreendem. Mas o "protocolo Marik" conta a história impressionante de como um estudo pequeno com metodologia falha, apresentando resultados irreais de uma terapia com racional fisiopatologico pobre pode ser publicado numa revista conceituada, movimentar interesse cientifico em periódicos e congressos, despertar a atenção da mídia leiga, ser divulgado como cura e chegar à prescrição dos pacientes. Muitas vezes a adoção de novas terapias, em desproporcionalidade à evidência científica, é atribuida à pressão da industria farmacêutica. Neste caso, entretanto, os fármacos são baratos e sem patente. Não houve pressão ou contribuição da indústria para o movimento. Apenas uma surpreendente supressão coletiva de racionalidade.